sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Os dois extremos do infinito

"O céu, que é perfeito,
andou jogando em seus olhos
o dom do infinito." Humberto del Maestro



Os dois extremos do infinito

Outrora tive o azul como infinito, afinal era o céu, o mar, além do exemplar anil e, perfeitamente esférico, da hortência que cultivava. O novelo índigo veio de certa feita a esvair-se, decidira partir, e o perfume antes exótico, passou então a nostálgico, mas, fora a partida, aquela flor sempre me passara vitalidade, e por isso a fiz eterna.
No entanto, a certo fim de estação me atrevi a rimar coisas do céu e também versifiquei de pés nus alguns devaneios marinhos que me eram confessados na hora exata em que a onda vinha exibir-se. Aí o celeste foi deixando de ser perene, pois percebi que já o alcançava com minhas palavras que, apesar de bonitas, eram fracas. Além disso, eu encontrei as ovelhas, que eram para mim nuvens querendo compartilhar da calma do céu na terra, e quando as toquei, o céu não era mais inalcançável. Quanto às minhas hortências, as vi sendo entregues como prova de amor e, dessa forma, também se privaram do encanto.
Aí me pus a chorar, já era embaçada a vista, e senti como se falhasse algum degrau na descida da escada. E as pálpebras não eram lubrificadas pela perda da certeza, mas pela dúvida de novas alegrias, que eu só encontrava nas minhas inexistências (porque os infinitos são particulares).
E agora que era tudo mais banal e grotesco, e do sublime pouca coisa se extraía, seria quase a morte ir à busca de algo amorfo, incolor e insípido e sem ciência alguma na constituição. O poeta que topasse tal aventura poderia partir desnudo de sua sensibilidade porque de nada ela serviria. E eu que não fui poeta e muito menos sensível nem me dispus à caça e, talvez por isso, tenha me tornado exímio caçador quando jamais quis ter a presa.
E o céu e o mar e a hortênsia novamente a me testar. Riam-se da minha astúcia, se é que a tinha, o que era de duvidar. E de novo compus aos céus, fiz novas baladas ao mar e dei eu as flores, não como prova, mas um simples agrado de amar. E espantosamente tudo então fez-se infindo, intocável, divino demais pra ser meu.
E a diferença estava nos números que, ironicamente, garantem o não findar das coisas. Pois a abóbada à que rimei era manto de duas nucas, e as ondas que eu embalei regavam exatos quatro pés. Quanto às flores, essas murcharam, mas ainda assim coube nelas algo não cabível nas palavras e, por esse motivo, só por esse, eu as refiz eternas. Procurei ainda as ovelhas e quis ser delas o guardador, um guardador de rebanhos posto que sou. Quis abraçar todas elas, mas apesar de serem poucas, eram intermináveis, e aí compreendi que o que dizem ser relativo é na verdade um só diante de vários.
Ou seja, sob um ponto de vista somos capazes de relatar o céu. Sob dois pontos de vista fazemos poesia com ele.

O Guardador de Rebanhos – 20/12/07