
— Que bonito que ele é! — sussurrou a Polegarzinha à andorinha.
O principezinho ao princípio ficou muito assustado com a ave, que lhe parecia gigantesca, mas quando viu a Polegarzinha ficou cheio de alegria. Achou que ela era a mais bela de todas as criaturas que jamais tinha visto, mesmo entre as fadas das flores. Tirou a coroa de ouro da sua cabeça e colocou-a na dela e perguntou-lhe como se chamava e se queria ser sua mulher e rainha de todas as flores. [...]"
A Polegarzinha, um conto de Hans Christian Andersen.

Ainda te amo
E pensar que tudo era tratado de modo tão fácil, trivial. Nos acostumávamos com o automático, como se não tivéssemos escolha, e não passávamos de fantoches, obedecendo o roteiro e o mecanismo propostos.E tudo o que nos passava era alheio, sem mérito de atenção. E assim nos dizíamos sábios.
Eis que ela me vem aos poucos, e mostra-me com uma permissão que não lhe foi dada, que o mais importante é tornar-se inexperiente a cada dia. Diz-me que toda a minha sagacidade é, na verdade, o que mais consome minha sabedoria e que dessa sabedoria posso desfazer-me no primeiro enlace das mãos. Aconselha que devo ter inúmeras infâncias e querê-las cada vez mais. E me olha, me falando com esse olhar... E me ri, contando-me segredos nada convencionais... E me chama por um nome que nunca tive, mas que no fundo sempre quis ser chamado.
E do primeiro encontro o mundo se lembra. Está lá, eternizado na música que posteriormente será rabiscada nas cartas, nas bocas, nos olhos dos dois: “Nos encontramos à noite, passeamos por aí. E no lugar escondido, outro beijo lhe pedi”. E na solidão que vivíamos a dois, a lua era mesmo prateada, as estrelas desciam ao chão e fora a única vez em que tivemos a certeza de que não sonhávamos.
E desde então tudo passa a ser novo. É desconhecido, motivo de mistério. E ela me ensina as primeiras palavras, me dá a mão nos primeiros passos, me levanta das quedas e me aperta com força. E é tudo a primeira vez. Me perco no cálculo das primeiras vezes em que a beijei, das primeiras palavras que lhe disse, dos primeiros segredos que revelei e dos primeiros medos que escondi.
E eu já faço poesia, desenhos infantis, juras eternas com a absoluta certeza de que irei cumpri-las. E eu já passo horas comigo, deitado em qualquer lugar com os olhos fitando qualquer coisa, pois não são mais eles que vêem. E já me chamo de bobo, e só por isso penso ser sábio demais. E quero dizer infinitas vezes que ela é a mais amada, a mais pensada, e que as nossas crianças terão o nome que ela quiser: se menina, Antônia, e o menino Guilherme, desde que sejam nossos. E, por incrível que pareça, todas as músicas foram escritas pra nós, todos os filmes nos lembram histórias e, assim, juntos, duvidamos de amor maior.
E as ânsias agora são prazeres. Deixamos as unhas de lado e agarramos qualquer pelúcia. Esguichamos qualquer fragrância, desde que ela esteja cada vez mais perto.
E de mãos dadas entendemos a relatividade e, como num pacto digno de enamorados, quebramos juntos nossos relógios, porque eles já não acompanham o nosso tempo.
O silêncio já não é mais entediante. E as madrugadas não causam mais sono. E durmo só para sonhar com ela, com absoluta convicção na previsão dos sonhos. E pouco depois já desperto, com medo de perder um mínimo de tempo.
E a fala que planejei antes de dormir, os versos que decorei e os olhares que programei, tudo vai embora à hora em que ela me vem. E eu não sei o que é feito de mim quando ela me olha. Se ela me toca, desfaleço. E quando me abraça, enfraqueço.
E eu queria mesmo que ela não fosse como as outras. Desejei que ela chegasse primeiro. E quis ser eu o primeiro amor dela.
E agora está tudo feito. Não há meios de regressar.
Por mais que Vinícius seja esquecido e que seus sonetos deixem de inspirar os casais, ainda assim te amo.
Pode o romantismo tornar-se careta e acharem ser masoquismo essa coisa de amor, mesmo com isso, continuo te amando.
Posso ficar horas chorando e me perder em soluços. Te amo.
E se a nossa música deixar de tocar, e se só o sono não me bastar para dormir, mesmo assim vou te amar.
Ainda que me peça para parar e que eu me esforce, nem que seja para tentar. O tempo esgotou-se, agora está feito, não há meios de regressar.
Era essa a história que desejava escrever, e desde as primeiras linhas a fiz assim, eterna.
Passem-se horas, dias, meses, anos, passe a vida. Ainda te amo.
Perdão, mas assim são os amores, inevitáveis.
O Guardador de Rebanhos – 14/10/07