sexta-feira, 12 de outubro de 2007

O Guardador dos meus Rebanhos


E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre, [...] (Alberto Caeiro)



O Guardador dos meus Rebanhos

Viver uma vida a bordo não me parece tão fascinante. Sempre na proa, à espera do vento que de tão parelho faz-se aristocrático.
Mais excitante é vivê-la sem linhas.
Ora, pois se deixar o cais é preciso, distanciar dos alvos lenços a balançar, o deixemos como o poeta, eternamente escravo do seu verso, trabalhando por ele todas as horas que tem, nunca a espreitar o fim, pois sabe que tudo finda assim que a estrofe termina. E que triste é o findar do poeta quando todos os versos, escandidos ou não, na arrogância de suas rimas, preferem a interpretação da humanidade à doação do artista.
Mas bem sabe ele que a poesia é do mundo. Das mentes que a quiserem, das mãos que a amassarem, das gavetas que lhe abrigarem. Escondê-la não é possível, assim como é impossível a mim, esconder do papel essas palavras que lhe pulam.
A bordo tudo é mais sério, e o poeta acha graça das cousas. Conversa com tudo sem saber se tudo lhe entende ou menos se entende algo. Faz cócegas nas flores e ri dos risos delas. Foge a esconder-se do vento e se debruça no parapeito de uma janela que é o mundo.
Vê rimas na beleza, porque tudo que é belo é digno da sua poesia.
Encontra o verso onde quer que ele esteja:
Nos olhos rasgados daquela moça, logo acima da sua boca encerrada, ambos pintados sobre o pálido fundo.
Numa água que corre sei lá para aonde e nem de onde vem.
As outras gentes têm violões, pianos e flautas, o poeta é apenas ouvidos à natureza.
Dá risada quando não pode, e se as pessoas acham graça, prefere não rir.
Engana as palavras e aqueles que as lerem.
Ama todas as mulheres do mundo e nenhuma delas é capaz de amar-lhe.
Tem pesar dos outros poetas que empilham seus versos, jogando-os na folha como lhes vem. Não são esculpidos, esquecem-lhes o rego, alguns são rimados e outros quebrados, a maioria nem sentido tem. Ele é, de fato, o jardineiro que me faltava. Não cria a sua poesia, mas a faz brotar. E as estrofes florescem quando as flores germinam. E árvores há também, das quais sai roubar os frutos e, como que provocando, os prova ali mesmo, ao pé dos caules robustos.
A idade do meu poeta é sempre o seu dia, e a altura que tem são os olhos que dizem, e pesa quanto pesam as rimas.
Desperta desconhecendo tudo o que vê e já vai se rindo do sol, que nem bem surgiu, mas deixou os dedos por sobre o muro, que logo em breve vai escalar. E várias são as primeiras vezes, e é por isso que é poeta sempre, e a poesia está em tudo que enxerga.
A morte nunca lhe vem, porque é o que seus versos são, e a eternidade dos versos não lhe deixa fugir daqui.
É por isso que não gosto do bordo.Prefiro essa vida quotidiana de poeta e assim quero vivê-la, não para não morrer, mas para poder estar sempre vivo.
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O Guardador de Rebanhos - 06/10/07

4 comentários:

Unknown disse...

Jota tomei a liberdade de assim te chamar,mesmo ñ te conhecendo,mais foi assim que me indigaram teu Blog.surpresa figuei com a beleza com que você expressa o que coexiste entre a alma e o ser.Você me lembrou Sophia de mello Breyner,Caio fernando Abreu,Rubens Fonseca(porquê não?)e Chico Buarque.Essa vibração da incompletude de tudo que se vive.Lindo mesmo e surpreendente és um pensador e como você mesmo descreve A IDADE DO MEU POETA É SEMPRE SEU DIA......E A MORTE NUNCA VEM POIS SEU VERSOS SÃO ETERNOS...VALEU GAROTO.

Priscila Nogueira de Jesus "Wulf" disse...

Na noite às vezes, parada na janela
Eu espero e naufrago nas cartas que lhe mando, pra amenizar o amargo da saudade -mas o doce sem o amargo não tem valia-.
Venha como você é, como você era
Como eu quero que você seja
Como um amigo...
Ninguém parte em guerra para retornar solitário.Eu saberei te esperar
Um Abraço de tua amizade, e um pedaço de grama pra rolar, que achas meu poeta?

p.s: as vezes em sempre me sinto mais inspirada aqui em teu rebanho que em meu bau de delirios.

Bagios!

Uries disse...

Seu blog é fascinante!

Anônimo disse...

Se puder me adicione no msn,acredito que teremos grandes inspirações juntos.

vitta_last@hotmail.com
Só para constar,sou Escritor.

Sousa,Elvis ou Uriel